Neste post, tentei exercitar a
compreensão textual através de uma breve análise do poema/letra que compõe a
canção Cara Estranho de autoria do
músico Marcelo Camelo, originalmente lançada no ano de 2003 no álbum Ventura da banda de Rock Los Hermanos. Esta análise foi construída com base
em critérios artístico-textuais, considerando os critérios distintivos (meio,
objeto e modo), presentes de forma inicial nos estudos de Platão e desenvolvidos
na obra A Poética de Aristóteles
identificando as formas escolhidas pelo autor para compor essa canção: um texto
narrativo (meio); um herói (objeto); versos rítmicos e sua métrica (modo).
TEXTO ORIGINAL:
Cara Estranho
Olha só,
que cara estranho que chegou
Parece não achar lugar
no corpo em que Deus lhe encarnou
que cara estranho que chegou
Parece não achar lugar
no corpo em que Deus lhe encarnou
Tropeça a cada quarteirão
não mede a força que já tem
exibe à frente o coração
que não divide com ninguém
não mede a força que já tem
exibe à frente o coração
que não divide com ninguém
Tem tudo sempre as suas mãos
mas leva a cruz um pouco além
talhando feito um artesão
a imagem de um rapaz de bem
mas leva a cruz um pouco além
talhando feito um artesão
a imagem de um rapaz de bem
Olha ali quem está pedindo aprovação
Não sabe nem pra onde ir
se alguém não aponta a direção
Não sabe nem pra onde ir
se alguém não aponta a direção
Periga nunca se encontrar
Será que ele vai perceber
que foge sempre do lugar
deixando o ódio se esconder
Será que ele vai perceber
que foge sempre do lugar
deixando o ódio se esconder
Talvez se nunca mais tentar
viver o cara da TV
que vence a briga sem suar
e ganha aplausos sem querer
viver o cara da TV
que vence a briga sem suar
e ganha aplausos sem querer
Faz parte desse jogo
dizer ao mundo todo
que só conhece o seu quinhão ruim
dizer ao mundo todo
que só conhece o seu quinhão ruim
É simples desse jeito
quando se encolhe o peito
e finge não haver competição
quando se encolhe o peito
e finge não haver competição
É a solução de quem não quer
perder aquilo que já tem
e fecha a mão pro que há de vir
perder aquilo que já tem
e fecha a mão pro que há de vir
No texto,
Camelo tenta narrar uma jornada de um homem indiretamente descrito como perdido
e abandonado; o qual podemos, inicialmente, entendê-lo como objeto da obra, representado
através de uma narração (modo escolhido). Esta representação objetal, apesar de
instrumentalizada em uma jornada, não caracteriza definitivamente o personagem
como herói, por não se tratar de um texto propriamente épico, dramático, trágico
ou cômico. Por outro lado, podemos considerar no texto traços de ambos – exceto
cômico – nos levando, mesmo com ressalvas, a aceita-lo como o herói.
Para compor
os meios da narrativa na jornada do nosso “herói”, notamos uma métrica textual
pontualmente rítmica em seus versos, muitas vezes acentuada através de sílabas
átonas e harmonizando com uma música de compasso tenso e crescente, mas também
conotando um aspecto de constância e horizontalidade que reflete a jornada
errante de um homem imperfeito e imparável que trilha um caminho tortuoso rumo
ao seu destino.
Por fim, Cara Estranho mostra-se um exemplo de
canção com refino ímpar, ao promover uma narração músico-textual perfeitamente
harmônica, que constrói uma trilha musical própria conseguindo ilustrar uma atmosfera
tensa para compor a narrativa dramática e negativa dos versos de Camelo, dando
a ela contornos épicos.