sexta-feira, abril 19, 2019

CARA ESTRANHO: DISTINÇÕES E CARACTERIZAÇÕES DE UMA NARRAÇÃO POÉTICO-MUSICAL

Neste post, tentei exercitar a compreensão textual através de uma breve análise do poema/letra que compõe a canção Cara Estranho de autoria do músico Marcelo Camelo, originalmente lançada no ano de 2003 no álbum Ventura da banda de Rock Los Hermanos. Esta análise foi construída com base em critérios artístico-textuais, considerando os critérios distintivos (meio, objeto e modo), presentes de forma inicial nos estudos de Platão e desenvolvidos na obra A Poética de Aristóteles identificando as formas escolhidas pelo autor para compor essa canção: um texto narrativo (meio); um herói (objeto); versos rítmicos e sua métrica (modo). 




TEXTO ORIGINAL:
Cara Estranho
Olha só,
que cara estranho que chegou
Parece não achar lugar
no corpo em que Deus lhe encarnou
Tropeça a cada quarteirão
não mede a força que já tem
exibe à frente o coração
que não divide com ninguém
Tem tudo sempre as suas mãos
mas leva a cruz um pouco além
talhando feito um artesão
a imagem de um rapaz de bem
Olha ali quem está pedindo aprovação
Não sabe nem pra onde ir
se alguém não aponta a direção
Periga nunca se encontrar
Será que ele vai perceber
que foge sempre do lugar
deixando o ódio se esconder
Talvez se nunca mais tentar
viver o cara da TV
que vence a briga sem suar
e ganha aplausos sem querer
Faz parte desse jogo
dizer ao mundo todo
que só conhece o seu quinhão ruim
É simples desse jeito
quando se encolhe o peito
e finge não haver competição
É a solução de quem não quer
perder aquilo que já tem
e fecha a mão pro que há de vir

 
No texto, Camelo tenta narrar uma jornada de um homem indiretamente descrito como perdido e abandonado; o qual podemos, inicialmente, entendê-lo como objeto da obra, representado através de uma narração (modo escolhido). Esta representação objetal, apesar de instrumentalizada em uma jornada, não caracteriza definitivamente o personagem como herói, por não se tratar de um texto propriamente épico, dramático, trágico ou cômico. Por outro lado, podemos considerar no texto traços de ambos – exceto cômico – nos levando, mesmo com ressalvas, a aceita-lo como o herói.
Para compor os meios da narrativa na jornada do nosso “herói”, notamos uma métrica textual pontualmente rítmica em seus versos, muitas vezes acentuada através de sílabas átonas e harmonizando com uma música de compasso tenso e crescente, mas também conotando um aspecto de constância e horizontalidade que reflete a jornada errante de um homem imperfeito e imparável que trilha um caminho tortuoso rumo ao seu destino.
Por fim, Cara Estranho mostra-se um exemplo de canção com refino ímpar, ao promover uma narração músico-textual perfeitamente harmônica, que constrói uma trilha musical própria conseguindo ilustrar uma atmosfera tensa para compor a narrativa dramática e negativa dos versos de Camelo, dando a ela contornos épicos.

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